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A Classe Alta

Modelos mentais e criatividade no gerenciamento de projetos familiares

Finanças

O título deste artigo parodia uma temática nova que vem adquirindo espaço em gestão de empresas, e que pode ser resumida na seguinte pergunta: como ampliar modelos mentais para gerenciar de forma efetiva os projetos de uma empresa?

O papel dos modelos mentais na gestão das organizações tem me chamado atenção cada vez mais. A cada nova leitura, novas possibilidades se abrem. Além das reflexões próprias do material para empresas, entendo que há uma relação próxima entre gestão empresarial e gestão de projetos familiares, principalmente relacionada a modelos mentais. Este texto busca demonstrar essa relação.

No círculo familiar, em geral, uma pessoa gerencia as finanças da família e faz acontecer os diversos projetos individuais de cada um dos membros da casa. Claro que esse gerenciamento pode ser em conjunto. Independentemente do tamanho da família, existem sempre diferentes projetos em andamento, e quem cuida do gerenciamento dos recursos financeiros, geralmente, relaciona-se com questões diversas que nem sempre se resolvem a partir da frieza dos números e das ciências exatas.

Modelos mentais

Um grande desafio que o gestor de empresas precisa vencer para ter sucesso em suas empreitadas e se manter no mercado é o que a literatura chama de ampliação de modelos mentais. Modelo mental consiste (grosso modo) em uma espécie de software em que “roda” toda nossa vida, e a partir do qual tomamos decisões e percebemos a realidade. Cada pessoa possui um modelo mental (uma espécie de mapa) em diversas áreas da vida. Esse modelo depende das vivências da pessoa, e tem relação com a cultura e a comunidade em que os indivíduos estão inseridos. Porém, como esse modelo pode ser atualizado a partir das vivências individuais, em geral, pessoas de uma mesma família/empresa possuem diferentes modelos mentais.

O mito da caverna de Platão é um exemplo clássico de como nossos modelos mentais funcionam: na história, as pessoas que viviam em uma caverna acorrentadas umas às outras e de costas para a entrada. A forma como elas estavam dispostas fazia com que vissem apenas as sombras do que acontecia do lado de fora da caverna. A realidade delas era percebida a partir das sombras que penetravam a caverna. Essa era a realidade dessas pessoas.

Um dia, uma dessas pessoas se desprende das correntes e consegue sair da caverna. Quando ela retorna e conta para seus companheiros o que viu lá fora, acaba desacreditada, e por vezes chega a ser agredida. Sua maneira de enxergar o mundo não é aceita.

Pode parecer, à primeira vista, que não agiríamos nunca como essas pessoas que ignoraram aquele que conhecia outra forma de enxergar as coisas. Principalmente porque, no mito, fica claro que o modelo mental das pessoas que continuavam na caverna era equivocado. Na vida real, nada é tão nítido assim. Nossa vivência está cheia de momentos em que a gente age a partir do nosso modelo mental, sem nos abrirmos a outras possibilidades de enxergar, outras formas de perceber a mesma realidade. Vivemos na ilusão de que existe uma única verdade, e essa verdade é a que percebemos a partir de nosso “software”.

Assim como o gestor empresarial precisa ampliar seus modelos mentais e estar atento a novas formas de perceber a realidade que o cerca, para que sua empresa tenha sucesso, nós, que gerenciamos os projetos de nossa família, precisamos ampliar nossa visão sobre o dinheiro, sobre finanças e sobre projetos familiares para termos sucesso.

Para exemplificar como os modelos mentais podem nos conduzir ao fracasso no mundo dos negócios, vou utilizar a história da tecnologia quartzo. Durante muitos anos, o mercado de relógios foi dominado pela tecnologia do relojoeiro suíço. O modelo mental vigente para esse mercado era aquele que os relógios precisavam dos mecanismos mecânicos e dos tique-taques para serem desejáveis. A partir dessa percepção de realidade, as pessoas não iriam desejar outro tipo de tecnologia para seus relógios. Em um dado momento, a nova tecnologia foi apresentada a esse mercado, que a rejeitou. Foi o início da queda dos suíços no mercado relojoeiro. Alguns outros fabricantes, sobretudo japoneses, apostaram no novo modelo, e passaram a dominar boa parte do mercado que até então era dos suíços.

Saindo do mundo dos negócios e pensando como pessoa física, podemos analisar um modelo mental em relação a finanças. Muitos de nós crescemos ouvindo que investimento em imóveis é o mais seguro que existe. Muitas pessoas acabam colocando os pés pelas mãos ao adquirir imóveis para “investir”, e não fazem corretamente os cálculos. Tem aumentado muito o número de pessoas que compram imóveis financiados para alugar e veem a correção do aluguel ficar bem longe da correção da prestação, causando prejuízos. Além da crescente expectativa de que existe uma bolha imobiliária se instalando no país. Algumas pessoas se apegam ferrenhamente à ideia de que imóvel é seguro, já outras buscam outras formas de investir e conseguir bons rendimentos.

Para além das discussões de quem está certo ou errado, a possibilidade de ter ampliado nosso modelo mental nos dá condições de observar a realidade com criatividade, buscando outros caminhos para nossos investimentos e para a realização de nossos projetos familiares. O excessivo apego a modelos preestabelecidos nos impede de encontrar alternativas para nossos projetos, para o gerenciamento dos projetos de nossa família.

Como ampliar nosso modelo mental

O primeiro passo para ampliar o modelo mental é identificar nossas crenças e valores. Entender a partir de quais pressupostos estamos agindo. Algumas pessoas têm modelos mentais de escassez em relação aos projetos da família e aos projetos financeiros. Esses modelos podem comprometer o sucesso dos projetos da família como um todo.

Após conhecer o “software” pelo qual estamos observando o mundo, precisamos nos conscientizar de que, a cada vez que observamos a realidade, cada vez que buscamos entender o que nos ocorre, planejar nossos projetos e buscar soluções para nossos problemas, estamos percebendo essa realidade a partir desse modelo, e não alcançamos a realidade em si.

Depois que conhecemos nosso modelo, entendemos que atuamos sobre esse modelo e não sobre a realidade em si, precisamos buscar com curiosidade genuína entender como funcionam os modelos mentais das outras pessoas. Quando atingimos essa capacidade de observar a realidade a partir de diferentes modelos mentais, podemos acreditar que temos um modelo mental ampliado. Temos diferentes softwares rodando e podemos observar a realidade por diferentes pontos de vista.

Essa ampliação de modelos é por vezes dolorosa e (por que não?) traumática. Por esse motivo, muitas pessoas permanecem presas a seus modelos mentais atuais, entendendo-os como realidade e agindo sobre esse modelo, imaginando agir sobre a realidade. Dessa forma, buscam sempre as mesmas soluções para antigos problemas, e deixam de utilizar a criatividade para melhorar a forma como gerencia os projetos de sua família e como gerencia suas finanças.

Sobre Rosana Rogeri

Rosana Rogeri Professora. Metida a salvar o mundo. Todo ano tenta (sem sucesso) correr a São Silvestre. Acredita mesmo que pode fazer a diferença no mundo.